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Chrome e o bloqueio de cookies

O que isso impactará positivamente, negativamente e as medidas que publishers e anunciantes terão que tomar.


Segundo a postagem no próprio blog da empresa¹, o Chrome anunciou que em até dois anos bloqueará todos os cookies de terceiros. O discurso da empresa é para aumentar a segurança e a privacidade dos seus usuários, batalha que vem sendo liderada por empresas como a Mozilla, Brave e também por personalidades importantes como Tim Berners Lee. Essa iniciativa vem anos após a indústria da publicidade se apoiar nessas partes de código a fim de coletar e armazenar informações de navegação, interesse e circulação pela Web. O que parece uma ação tardia por parte da gigante de buscas parece ser, não tão por trás, uma forma de monopolizar e eliminar a concorrência do mercado de anúncios on-line.

 

Lançado no final de 2009, o Chrome foi angariando mais e mais usuários até se consolidar no mercado dos navegadores. No final de 2019 o browser detinha mais de 70% dos usuários da internet². Essa hegemonia torna toda a ideia da Web um tanto frágil já que a rede deveria ser descentralizada e permitir uma ampla concorrência. Com um cenário tão favorável não é o Chrome que deve se adequar à Web, é a Web que deve ser compatível com ele e isso inclui usuários, desenvolvedores, anunciantes, etc.

 

Uma decisão preocupante para o futuro da Web

Não oferecer mais suporte ou bloquear cookies de terceiros poderia ser visto, talvez, com bons olhos se a desenvolvedora não fosse a maior anunciante em motores de busca, de vídeos e em canais parceiros. O discurso de maior privacidade teria relevância visto que mais da metade dos acessos à sites são feitos pelo seu navegador e isso teria um benefício enorme para a segurança de quem deseja navegar pela Web sem ter todos os seus rastros capturados e processados. Mas dada a realidade, o que dá fortes indícios é uma tentativa do Google que se aproveita de uma posição confortável no ranking de utilizadores do seu software para concentrar todos os anúncios através da sua plataforma de anúncios Google Ads. 

Sem o suporte aos códigos de terceiros, aos poucos os anunciantes perderão dados e com isso não conseguirão processar as informações necessárias para exibir os anúncios. Isso fará com que as propagandas, que já não são tão assertivas, fiquem menos certeiras fazendo as empresas que contratam mídia programática desistam deste formato de anúncio. A receita para as empresas de mídia e para os publishers reduzirão enquanto a dependência de utilização dos serviços do Google aumentará. Com a migração de receita para o Google haverá maior investimento para melhorias e desenvolvimento do Chrome. Assim, o navegador poderá ficar melhor, tomar maior fatia do mercado e, assim, tornar justificável a escolha pelos seus anúncios. Em resumo o Google Chrome se tornará um buraco-negro que irá engolir todo e qualquer "browser estrela" que estiver ao seu alcance.

 

Mas a batalha não está ganha

Felizmente o Google não é o único player que 'navega' no oceano da publicidade on-line. Mídias sociais como Facebook e empresas como Amazon e Mercado Livre possuem vasto interesse em manter seus cookies ativos a fim de gerar mais e mais receita. Em todos os casos, eles possuem seus cookies primários, que funcionam dentro do seu próprio site e, a priori, não seriam afetados pela decisão do Google. 

No entanto, principalmente o Facebook, possui grande interesse em continuar rastreando os usuários da sua plataforma através dos seus pixeis espalhados em caixas de comentários, sites de terceiros, widgets e por aí vai. A perda de receita e de relevância para a plataforma seria grande o bastante para evitar que deixasse esta decisão passasse em branco. Assim como a empresa já pretende criar seu próprio Sistema Operacional Mobile³ para aproveitar melhor os recursos do Smartphone e não depender apenas do Android, eles poderão apostar no seu próprio navegador ou se aliar à outros players existentes no mercado oferecendo uma experiência melhor para os usuários que utilizarem essa plataforma.

 

Os Publishers

O outro lado dessa mesma discussão estão os publishers que investem tempo e conhecimento produzindo conteúdo que atraia e prenda o usuário na página a fim de olhar os anúncios. Cada um escolhe hoje, a livre escolha, quais intermediários de mídia programática permitirão nos seus portais de conteúdo. A cada acesso, ou milhares deles, ganham centavos que auxiliam na rentabilização e custeio das suas operações.

De fato, já cansamos de ver aqueles conteúdos bizarros como aquela mulher da cidade vizinha à sua que emagreceu 30 quilos e chocou a polícia que tentou prendê-la, não é mesmo? A forma como alguns criadores de conteúdo se aproveitaram dessa maneira de gerar tráfego não trouxe benefícios para a publicidade on-line, simplesmente inundou de conteúdo fraco os assuntos recomendados. 

Com essa mudança do Google, uma saída possível é que esses redatores passem a criar conteúdo destinado para portais específicos, que utilizam os cookies primários e gerenciam seus próprios visitantes sabendo quais materiais exibir para cada um deles. A outra forma é ceder à pressão do gigante de busca e aceitar a monetização oferecida e torcer que seja mais rentável que os demais concorrentes.

 

E os usuários?

Nós, os meros mortais usuários da Internet, somos um dos lados que possui maior impacto em todas essas decisões inclusive os únicos com poder de boicotá-las. Todo esse cenário só é possível pois o Chrome lidera o ranking de utilização de browsers. Caso a migração vá para os seus concorrentes, em especial Brave ou Mozilla Firefox, para que a empresa perceba que não está navegando com soberania e que não pode ditar as regras como bem entender.

Os concorrentes do Chrome, em especial o Brave, possuem Ad Blocks nativos além de uma preocupação muito maior com a privacidade dos seus utilizadores já que não dependem da publicidade para se manter. Para quem possui portal ou costuma vender seus produtos em algum site é interessante que diversifique as formas de atrair, converter e engajar seus visitantes.

 

O futuro da Internet

Certamente, Tim Berners Lee está preocupado com os rumos que a Internet está tomando. A ilusão do Free consolidada na Internet mostra sua face mais perversa muito além do caso relatado neste texto. Reavaliar o modelo de rentabilização dos serviços on-line em prol da privacidade pode ser uma saída considerável, mas só abrangeria parte da população com condições financeiras que não se importariam em pagar para 'serem esquecidas'.

Como Guilherme Feliti, do Manual do Usuário e do podcast Tecnocracia, diz "se a vigilância é o novo normal, deveríamos ter o controle sobre os nossos dados" além de possibilitar a todos que tenham o direito de serem esquecidos temporariamente ou permanentemente.

[1] https://blog.chromium.org/2020/01/building-more-private-web-path-towards.html

[2] https://4gnews.pt/os-browsers-mais-utilizados-de-1996-a-2019-conhece-a-historia-da-navegacao-na-internet/

[3] https://exame.abril.com.br/tecnologia/facebook-quer-criar-seu-proprio-sistema-operacional/

 

Recomendação de conteúdo

Podcast Tecnocracia: https://open.spotify.com/show/2dK6bnbumjpnsnX8JMCxEH

Manual do Usuário: https://manualdousuario.net/


Fabricio Barili Mestrando em Ciência da Comunicação pela Unisinos. Mestrando em Ciência da Comunicação (Linha 3 - Cultura, cidadania e tecnologias da comunicação) pela Unisinos e bolsista CAPES. Projeto de pesquisa é relacionado à trabalho digital e privacidade. Entusiasta e interessado nas áreas de Big Data, IoT, Machine Learning e Deep Learning a fim de entender o comportamento das pessoas nos ambientes digitais e tornar a comunicação mais eficiente. Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K2382818Y6

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