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IoT, como fica a nossa privacidade?

A visão Orweliana do Big Brother, no livro 1984, mudou e o IoT veio para transformar a forma com que nossa privacidade será afetada


Enquanto estou escrevendo este texto, confesso que visto meu Xiaomi Mii Band 3 - o qual chamo carinhosamente de 'Smart Watch de baixo orçamento'. Ele se conecta ao meu Smartphone via Bluetooth e, por estar preso ao meu pulso, coleta informação sobre meu sono, quantidade de passos, de calorias e frequência cardíaca.

 

A quantidade de informações que este dispositivo 'barato' consegue coletar me chamou a atenção para alguns pontos que gostaria de discutir nesse espaço. Aspectos como a tipologia dos dados, a frequência com que são produzidos, a forma que eles são enviados e a diversidade dos gadgets são alguns itens que podem, e vão, afetar a nossa privacidade nos próximos anos. A minha intenção é esclarecer as minhas preocupações e fazer com que você possa refletir. Não desejo que você fuja delas já que isso significa renunciar a uma série de experiências benéficas, mas para utilizar estas tecnologias com a consciência dos perigos e das consequências que poderá sofrer a médio e longo prazo.

 

1 - IoT são específicos

As principais características de um IoT, além da conexão com a Internet, são os seus hardwares e softwares desenhados para obter informações precisas sobre algo específico. Se ele não cumprir esta função eu duvido que será um grande sucesso. Pense comigo no caso do Smartwach: se ele não aferir seus batimentos cardíacos com precisão aceitável, você pode renunciar a aquisição e irá optar por outro modelo o qual cumpra esta tarefa.

 

Com isso, os dispositivos tornam-se menores e com a possibilidade de monitorar com muito mais precisão, frequência, mobilidade e facilidade do que grandes objetos espalhados pelos espaços. Você pode até usar seu cinto para medir quantas vezes seu coração bate, mas dificilmente irá para o trabalho ou dormirá com ele, correto? Seu Smartwatch estará sempre com você.

 

Outro objeto o qual gosto de refletir são os aspiradores inteligentes. Os que possuem maior capacidade de processamento conseguem perceber o ambiente e gerenciar quais áreas ainda não foram limpas durante a jornada de trabalho do robô. Eles sabem exatamente onde está a base de carregamento e voltam a ela quando percebe que a sua bateria está acabando. Isso nos dá a premissa que ele conhece a nossa casa, a metragem dela, a nossa rotina de trabalho, se temos animais de estimação e o possível horário que estamos fora de casa¹.

 

Podemos perceber que uma ou mais funções combinadas podem revelar informações que, em uma possível adesão em massa dessas tecnologias, será um Raio-x da população de um determinado local ou país. Onde você e seus vizinhos costumam praticar atividades físicas, quais bairros possuem mais adeptos a vida saudável e qual bairro há a melhor qualidade de sono? Essas são apenas algumas das leituras que as empresas podem realizar sobre os consumidores dos seus produtos.

 

2 - IoT sempre está vinculado a você e a uma marca

Me acompanhe neste raciocínio: você comprou seu IoT e quer usar quanto antes, correto? Após abrir a embalagem e colocar para carregar você baixa o App no seu smartphone e logo após a instalação ele pede a vinculação a uma conta.

 

Independente do sistema operacional do seu dispositivo móvel ele pertencerá praticamente às empresas Apple ou Google. Supondo que você possui um Smartwatch e um aspirador inteligente da mesma marca, você montará seu perfil digital na empresa que desenvolveu. Ela agrupará as suas informações e cruzará de (n) maneiras de modo a prever quais produtos ela poderá desenvolver e oferecer para você e inúmeras outras pessoas.

 

Ao menos que você desenvolva seu dispositivo inteligente e tenha posse sobre as suas informações e conexões, estará fora do controle. Como mencionado acima, os dispositivos são específicos e tudo o que coleta com precisão, será enviado e pode ter certeza que será muito bem aproveitado.

 

3 - IoT não são tão transparentes

Se você fizer uma visão histórica sobre a computação verá que dispositivos conectados não são nenhuma novidade. O que me chama a atenção para o que está acontecendo agora é uma interface que facilita a interação e a utilização da população em massa, sem que esta precise saber programar.

 

O que quero dizer com isso? 

Dois pontos que acho importante discutir para entender a opacidade que o IoT está trazendo para os usuários:

 

3.1 - A Interface

 

Num primeiro momento só tinha acesso à tecnologia quem sabia programar, o entendimento do software e como ele operava dava ao usuário uma ideia sobre o que ele fazia e como isso poderia ser utilizado para o  bem e seus possíveis riscos. Uma tela com feedback e log de operações já era suficiente para ser transparente com o que era processado. Seu conhecimento em programação possibilitava, em alguns casos, que o software fosse alterado, implementado ou removido trechos que achava desnecessário. 

 

Por outro lado, a interface possibilita que mais pessoas possam usufruir dos benefícios desses dispositivos. Em vez de escrever comandos, um clique ou comando já é o suficiente para que ele realize uma operação. Com isso, as camadas do algoritmo são abstraídas fazendo com que se perca o controle e conhecimento mais aprofundado sobre o funcionamento.

 

3.2 - A frequência de transmissão

 

Assim como Casilli (2018) aborda no seu texto intitulado Trabajo, conocimiento y vigilancia os objetos conectados penetram no nosso espaços transformando-os em fábricas de dados pessoais. Ainda segundo o autor, estamos saindo da Internet da publicação e partimos para a Internet da emissão. A primeira é dita da Web 2.0 e 3.0 onde nós, ativamente, postamos nossas informações na rede. A segunda, por sua vez, tem as informações postadas continuamente sem que o usuário precise executar o comando de Upload.

Esse fato explica o motivo dos dispositivos necessitarem estar conectados a um smartphone ou a uma rede de internet. Não somente para executar funções remotamente. O grande interesse é a emissão das informações para a rede e para os fabricantes. Se esta é a natureza e a forma que ele precisa operar não vejo grandes problemas, o que chamo a atenção é a recorrência que essas informações são enviadas, quem as recebe e como as processa.

 

Sintetizando a falta de transparência que percebo sobre o IoT é na sua simplicidade. Muitos dispositivos inteligentes abrem mão da interface visual embarcada e terceirizam os dashboards nos aplicativos instalados no Smartphone. O feedback luminoso, tão importante para ter certeza se o aparelho está ligado ou desligado, é reduzido a um led vermelho ou branco, mas não temos a certeza se a Alexa está nos escutando, o que está ouvindo muito menos o que está processando de informações que obteve no nosso lar, por outro lado, eles sabem tudo da nossa vida, a hora que dormimos, que acordamos, nossos hábitos e desejos.

 

Considerações finais

Parece, cada vez mais, que o 'Grande Irmão' está dividido em pequenos irmãos, assim como Ricardo Boni fala no seu livro Proteção de Dados Pessoais: a função e os limites do consentimento. O "monitoramento sistemático, automatizado e à distância de ações e informações de indivíduos no ciberespaço, com o fim de conhecer e intervir nas suas condutas ou escolhas possíveis", conforme Bruno (2008) afirma, se potencializa e está mais próximo do nosso corpo com os IoT's e Wearables - que são tipos de IoT, na minha percepção.

 

Os três pontos apresentados acima nos mostra que a economia dos dados está partindo para uma especificidade enorme, a aposta das marcas que produzem os dispositivos só tende a tornar essa briga um cenário propício para nos transformar em dados biológicos e comportamentais com enorme facilidade já que buscamos por isso. 

 

Não me assustaria se empresas de IoT que hoje fabricam gadgets banais futuramente comecem a fabricar produtos voltados para resolver problemas de quem não dorme bem, móveis inteligentes e planejados para quem tem um apartamento pequeno ou comece a oferecer soluções para quem não tem espaço para ter sua máquina de lavar roupas, alô Mr Jeff.

 

Arriscaria ainda mais em dizer que as empresas que sairão beneficiadas com a nossa dataficação serão as que atuam no ramo da saúde e financeiro. Historicamente esses ramos investem em algoritmos para entender potenciais riscos aos seus investimentos. A primeira não deseja que você tenha predisposição a contrair doenças hereditárias. A segunda quer que você tenha condições de ser um bom pagador e honrar suas dívidas. Deixarei essa discussão para um próximo momento, mas fica aqui um ponto de partida para uma reflexão pessoal sobre as possíveis formas de suas informações serem utilizadas contra você.

 

Percebemos que o ecossistema está se preparando para receber uma demanda imensa de informações, a tecnologia 5G vem para isso. Ela não é para dar maior velocidade ao tráfego de dados do seu smartphone, mas sim para propiciar que esses dispositivos inteligentes conectem-se a uma mesma rede e as informações possam ser coletadas e transmitidas com uma menor latência, maior velocidade. A computação, no que lhe concerne, também está se modificando para atender a demanda de processamento e a fome de insights que o mercado tanto precisa. 

 

Por fim, se não podemos fugir ou nos isolar do que está por vir, que façamos o uso a tecnologia com ciência e consciência. Que possamos tomar cuidado dos nossos dados e não simplesmente entregar para um 'feed personalizado'.

[1] Parto da premissa que a maioria das pessoas programe os robôs para realizar a limpeza enquanto não há ninguém em casa.

 

Bibliografia

CASILLI, ANtonio. Trabajo, conocimiento y vigilancia. [s.l: s.n.]. 

BRUNO, Fernanda. Monitoramento, classificação e controle nos dispositivos de vigilância digital. Revista FAMECOS, [s. l.], v. 15, n. 36, p. 10, 2008.


Fabricio Barili Mestrando em Ciência da Comunicação pela Unisinos. Mestrando em Ciência da Comunicação (Linha 3 - Cultura, cidadania e tecnologias da comunicação) pela Unisinos e bolsista CAPES. Projeto de pesquisa é relacionado à trabalho digital e privacidade. Entusiasta e interessado nas áreas de Big Data, IoT, Machine Learning e Deep Learning a fim de entender o comportamento das pessoas nos ambientes digitais e tornar a comunicação mais eficiente. Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K2382818Y6

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