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Privacidade de dados pessoais na publicidade

A publicidade e sua necessidade de obter mais e mais dados para encontrar os melhores anúncios afeta nossa privacidade


Como diria John Wanamaker, "Eu sei que metade da minha publicidade é desperdiçada. O problema é: qual metade?". Com essas palavras que inicio uma discussão sobre a utilização dos nossos dados para fins publicitários.

O modelo de publicidade na internet, no seu início, lembra muito o do mercado tradicional dito 'offline': após um estudo sobre quem era o público, quais os seus gostos, preferências e hábitos, traçava-se um perfil e montavam suposições de sites que estes poderiam acessar. Após todo esse estudo, um ou mais espaços eram adquiridos nesses sites levando em consideração o público, o local dentro do site que estaria localizado e também a quantidade de acessos que este site tinha. Mas como partimos deste modelo 'antiquado' para o modelo da publicidade 'nativa', segmentada, 'com inteligência artificial' e todos os outros buzzwords que as empresas de mídia nos oferecem?

Tudo isso começou com os cookies, arquivos capazes de armazenar a nossa navegação dentro de um site. Inicialmente criado para gerenciar a nossa navegação dentro de um mesmo domínio, armazenar nossas preferências de idioma, cores e armazenar nossas compras em um carrinho abandonado, por exemplo. Com isso passamos a ser identificáveis para este site. Depois disso vem os third party cookies capazes de trackear nossa navegação por diversos sites que possuíssem este código instalado que, por sua vez, eram enviados aos databrokers.

É nos databrokers que a 'mágica' acontece. Após armazenar nossa navegação por todos os sites que possuem os seus códigos, o conteúdo das páginas é analisado por meio das metatags contidas nele - que ajudam o Google a indexar o conteúdo - traçando o nosso perfil de comportamento. Desde portais de notícias, blogs de conteúdo, sites empresariais, marketplaces e redes sociais possuem estes scripts instalados e a cada acesso são enviados uma série de dados para essas empresas como: localização, dispositivo de acesso, data e hora, tempo de permanência, qual a origem do acesso, se clicou em algum botão específico, etc.

Essa bulimia de dados, como menciona Fernanda Bruno, serve para que haja uma quantidade significativa de dados para serem analisados e gerem nossos perfis computacionais, ou profilling. A produção de conhecimento, resultante das operações de análise, nos fazem ser impactados por anúncios diferentes e que parecem 'ser feitos para nós' sendo aí, na minha opinião, onde o perigo à privacidade se encontra.

A privacidade digital recupera alguns dos conceitos da privacidade tradicional ao ser embasada em alguns pontos: direito de ser deixado em paz, de não ter sua honra e da sua família afetadas e que as suas escolhas não tenham interferências de terceiros. Estas são apenas algumas das definições que embasaram o estudo que realizei e que se aplicam neste cenário mediado pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC).

Assim, a publicidade e a sua necessidade de obter mais e mais dados e analisá-los para encontrar os melhores anúncios afetam a nossa privacidade quando entregam um conteúdo que pode nos constranger. Um exemplo disso é exemplificado no livro Proteção de dados pessoais - a função e os limites do consentimento do autor Bruno Ricardo Bioni. No livro o autor exemplifica o trabalho da varejista norte americana Target que analisou o comportamento de compra de diversas mulheres que estariam grávidas, treinou o algoritmo e pôs em prática. Tal ação, segundo o autor, tornou-se eficaz quando o pai de uma garota entrou furioso na loja acusando-os de 'incentivarem a filha a engravidar'. Tempos depois, quando a loja entrou em contato com o pai ele, envergonhado, descobriu que a filha estava esperando uma criança.

Um dos pontos, na minha opinião, que mais preocupa não é a coleta de dados em si pois a publicidade efetiva depende disso. O que corrompe esse mercado é a forma que os dados são coletados, utilizados e a falta de transparência para o usuário. A ilusão do free na internet é uma armadilha que todos nós caímos diariamente, afinal quem não deseja receber o melhor resultado em uma pesquisa como o café mais próximo ou o bar que mais tem a ver comigo além de ler as notícias as quais estaria interessado? Por outro lado, a quantidade de dados coletados é infinitamente maior do que os benefícios gerados visto que diversas aplicações coletam nossas informações e não temos a menor ciência de como aquilo poderá ajudar na melhor experiência. Nós, usuários da internet 'grátis' temos que nos munir de ferramentas e soluções que nos protejam, mas que permitam aos anunciantes enviarem propagandas relevantes para que a economia continue se fortalecendo. De fato, o que falta é equilíbrio.

 


Fabricio Barili Mestrando em Ciência da Comunicação pela Unisinos. Mestrando em Ciência da Comunicação (Linha 3 - Cultura, cidadania e tecnologias da comunicação) pela Unisinos e bolsista CAPES. Projeto de pesquisa é relacionado à trabalho digital e privacidade. Entusiasta e interessado nas áreas de Big Data, IoT, Machine Learning e Deep Learning a fim de entender o comportamento das pessoas nos ambientes digitais e tornar a comunicação mais eficiente. Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K2382818Y6

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